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sexta-feira, 18 de julho de 2008

Os construtores da nova China


A lição que o Brasil (não) deve aprender com a China

A lição que o Brasil (não) deve aprender com a China

Sem sombra de dúvida, a China é a porção de terra mais badalada do planeta no momento, e exemplos não faltam. Pequim, a capital do país, será o palco das Olimpíadas deste ano e, segundo a impressa, sofreu uma verdadeira metamorfose urbanística e arquitetônica. Macau, antiga possessão portuguesa, tornou-se maior que Las Vegas no multibilionário negócio dos cassinos. Xangai, por sua vez, tem se consolidado como o centro financeiro da Ásia.

A crescente capacidade chinesa em mobilizar o debate internacional apenas tem paralelo com sua assombrosa taxa de crescimento: a impressionante marca de dois dígitos anuais há vários anos. Dessa maneira, milhões de chineses foram inseridos no mercado consumidor, a classe média se fortaleceu e novos milionários são gerados em ritmo acelerado.

Esse crescimento tem inspirado diversos países a adotar práticas e exemplos desse Grande Dragão para dinamizar suas economias e, especialmente para os países emergentes, retirar milhões de famílias de situações de pobreza. Aí reside um grande desafio: a singularidade da cultura e do sistema político chineses em relação aos modelos ocidentais. Os valores, os objetivos e as maneiras de colocar as decisões em prática são substancialmente diferentes entre os dois lados do oceano pacífico.

Para o Brasil, país que busca a ampliação dos instrumentos democráticos e institucionalmente defende a dignidade da pessoa humana, alguns fatos apresentados por esse poderoso Dragão são assustadores. A Revista Época
[1], em matéria dedicada a essa nova China, traz a seguinte informação:

Três Gargantas (usina hidroelétrica) é um dos orgulhos da nova China, um sonho acalentado desde o início do século passado. Em 2009, com seis turbinas instaladas e capacidade para gerar 18,2 gigawatts, os chineses esperam que a barragem supere a brasileira Itaipu em potência. A construção terminou em 2006, nove meses antes da previsão, com um saldo oficial de 100 mil operários mortos.

100 mil operários mortos! O gigantismo desta obra também é expresso pelo seu número de vítimas. Baixas de um verdadeiro “conflito armado” baseado no aço e no concreto. Isso seria “compatível” com a orientação de crescimento econômico e social tão almejado pelo Brasil?

Muitos levantarão a voz, e com razão, para os operários que aqui também falecem. São trabalhadores no corte da cana-de-açúcar que tem suas vidas arrebatadas pela exaustão no trabalho na lavoura. É o futuro da nação, estampado pela face de milhares de crianças e jovens, perdido em meio a carvoarias e pedreiras.

Na China, contudo, é o Estado que dita as regras e, ao que parece, ao custo que for necessário. Os chineses parecem estar satisfeitos com tal regime, e vêem com orgulho e extremo patriotismo a construção desse novo país, mesmo que a energia elétrica para esse sucesso custe 100 mil vidas de seus compatriotas.

É esse o exemplo a ser seguido pelo Brasil, crescer a todo custo? O caminho do mercado será na anulação de qualquer direito trabalhista para que sejamos competitivos no comércio internacional? O brasileiro encherá o tanque de combustível com etanol ao “custo” de 100 mil bóias-frias?
A escolha do Brasil deve se orientada para, cada vez mais, valorizar o potencial humano que a diversidade racial e cultural aqui existentes permite produzir. Isso será realizado de dois modos: investimento maciço em educação e transparência absoluta para consolidação da democracia. O caminho do crescimento brasileiro não inclui 100 mil mortos. Portanto, a lição chinesa deve-se limitar a alguns exemplos, não à aula inteira.

[1] Revista Época n° 527, de 23 de junho de 2008. p. 50